Monday, August 3, 2009

Parto Orgásmico

Dr. Ricardo Jones - Médico Obstetra e Homeopata

Parto orgásmico não só é possível como é muito mais comum do que parece. O debate pode ser recente, mas a possibilidade de se encarar o parto como um evento pleno de prazer é tão antiga quanto a própria humanidade. É importante definir o que é «parto orgásmico», e para tanto começo por explicar o que ele não é. Parto orgásmico não é uma técnica ou um método. Parto orgásmico não é uma moda, uma «new fashion», uma onda. Parto orgásmico não é um produto, algo que se compra ou adquire. Parto orgásmico é um mergulho profundo no ser feminino. É a descoberta do prazer de parir; o segredo mais bem guardado, no dizer da parteira americana Ina May Gaskin. É uma possibilidade para qualquer mulher desde que possa despir-se das capas de medo criadas pela cultura patriarcal que tenta dominar a força criativa da mulher, culpabilizando-lhe o prazer e domesticando o feminino.
As conquistas recentes neste campo abriram as portas para a discussão da sexualidade da «nova mulher pós-pílula» e, como conseqüência, emergiu o debate do parto como parte da vida sexual de qualquer mulher. A partir deste momento, em meados dos anos 80, inúmeros investigadores se entregaram ao estudo das características psicológicas, afetivas, emocionais e hormonais relativas ao nascimento e se depararam com constatações no mínimo inquietantes: havia uma similaridade impressionante entre parto e atividade sexual em todos os aspectos analisados. A mesma perda cognitiva, o mesmo apagamento neocortical, a mesma necessidade de privacidade, a mesma confluência circulatória para os genitais e as mesmas hormonas envolvidas.
A ocitocina surgia como a hormona chave para a compreensão do fenómeno do parto. Michel Odent, médico francês radicado em Londres chama-lhe «a hormona do amor», porque está presente sempre que um momento amoroso se expressa, como no parto e no encontro sexual. Além disso, a sua hormona oposta, a adrenalina, fundamental para o orgasmo, é a mesma implicada no reflexo de ejeção do bebé. Fácil fica, para qualquer observador perspicaz, perceber que existe um claro paralelismo entre os eventos do parto e os do sexo, fazendo-nos enxergar pela primeira vez o nascimento inserido nas forças sexuais de uma mulher.
Mais do que um evento biológico Mas tão logo percebemos a sexualidade escondida por detrás dos eventos que cercavam o nascimento, ficou-nos claro que as repercussões desta «nova» visão do nascimento só poderiam ser dramáticas. Já não seria possível encarar o parto como um evento biológico, artificialmente controlado em função das variáveis mecanicistas que são ensinadas na escola médica: feto, percurso e força contrátil. Haveria que se modificar totalmente a percepção do evento que passaria dos domínios do profano para o âmbito do sagrado. Através desta maneira radical de compreensão, tornava-se muito difícil continuar a entender o nascimento humano de uma forma mecanicista, pela evidência inequívoca de que a sexualidade extrapola claramente os limites da corporalidade.
Tanto quanto no sexo, existe muito mais no nascimento humano do que o que se pode encontrar no corpo e suas medidas. Assim sendo, abria-se automaticamente uma nova dimensão no nascimento, qual seja, a indissociabilidade das emoções e sentimentos ao lado dos eventos mecânicos já conhecidos. Ficou evidente que muitas mulheres falhavam em ter seus filhos de uma forma mais natural porque algo além do corpo as impedia.
Passamos a entender também que a própria sensação dolorosa estava nitidamente ligada à maneira como tais mulheres «sentiam» o parto, na integralidade dos processos participantes.Elementos muito mais subtis (mas não menos poderosos) do que as células, tecidos e órgãos actuam durante a prática sexual e o trabalho de parto. Caberia a nós, assistentes do nascimento, descobrir onde estavam estas outras «forças ocultas» que, assim como no sexo, alojavam-se em um estrato diferente da nossa consciência superficial.
Desta forma, a sexualidade, o prazer e o orgasmo entravam no discurso de um pequeno grupo de profissionais que percebiam a possibilidade que as mulheres tinham de aceder a estas sensações desde que específicas condições ambientais pudessem ser criadas. Tais condições nada têm de complexas, dispendiosas ou caras: trata-se de oferecer-lhes dignidade, privacidade, cuidado respeitoso e carinho. Praticamente as mesmas necessidades que qualquer mulher procura para um encontro de amor.
O orgasmo durante o trabalho de parto pode ter um potente efeito relaxante para a mulher. Algumas mulheres que tiveram orgasmos durante o processo relatam que isso lhes ofereceu um input incrementado de ocitocina. Tal influxo hormonal produziu - aparte de uma profunda sensação de bem-estar - a normalização da contratilidade uterina.
Entretanto, um orgasmo durante o trabalho de parto não é algo que se busca; não pode ser o foco objectivo deste evento ou algo a ser conscientemente alcançado. Por outro lado, ele pode ocorrer naturalmente quando a mulher, livre dos preconceitos e liberta das amarras do modelo que criminaliza a sexualidade feminina, se permite sentir as sensações que seu próprio corpo lhe oferece.


Dr. Ricardo Jones - Médico Obstetra e Homeopata - In Iol Mãe

1 comment:

  1. Que belo texto :) adorei!
    Pena que não tive um parto orgásmico lol imagino a sensação....ou não!!
    É um momento único de certeza.
    Talvez quando tiver o 2º filho consiga.
    Beijos amiga

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